Teorema da Função Inversa

Introdução

Já vimos que nem sempre é fácil saber se uma função tem uma inversa. Genericamente falando, o Teorema da Função Inversa se propõe a estabelecer condições que garantam a existência de uma função inversa (não necessariamente em todo o domínio/contradomínio), diferenciável e, no caso dessas condições serem satisfeitas, o teorema relaciona a derivada da inversa com a derivada da função.

O primeiro ponto a observar é que o teorema só estabelece condições para a existência de uma inversa local. Isto é: dada uma função $f$, fixados $x_0$ e $f(x_0)$, o teorema vai estabelecer condições sob as quais fica garantida a existência de uma função:

\begin{equation}\tag{1}\tilde{f} : I_{x_0} \longrightarrow I_{f(x_0)}\end{equation}

diferenciável, inversível, com inversa diferenciável. Em 1, $I_{x_0}$ e $I_{f(x_0)}$ são intervalos abertos contendo, respectivamente, $x_0$ e $f(x_0)$ e $\tilde{f}$ associa a cada $x \in I_{x_0}$ o valor de $f(x)$.

Observe que essa função $\tilde f $ em 1 não é exatamente a função $f$ original: seu domínio e contradomínio não coincidem necessariamente com os de $f$.

Considere o gráfico de uma função $f(x)$ na figura ???. Essa função não é inversível. Mas podemos definir, a partir de $f$, duas novas funções:

\[\begin{array}{lll}\begin{array}{clc}f_1: I_{x_0} & \longrightarrow & I_{\tilde y} \\x & \longrightarrow & f(x)\end{array} &\mbox{ e } &\begin{array}{clc}f_2: I_{x_1} & \longrightarrow & I_{\tilde y} \\x & \longrightarrow & f(x)\end{array}\end{array}\]

Essas "novas" funções (muitas vezes chamadas restrições de $f$) têm função inversa (pois são bijetoras). Nesse caso, dizemos que $f$ tem inversa local.

Podemos pensar em inverter uma função com domínio em $I_{x_0}$ e Imagem em $I_{\tilde y}$ e também uma função com domínio em $I_{x_1}$ e imagem em $I_{\tilde y}$.

A fim de delimitar bem o contexto do Teorema da Função Inversa, acrescentamos que ele só cuida de funções localmente de classe $C^{1}$ e tenta identificar a existência de inversa local diferenciável.

Olhando gráficos

A pergunta, como mencionamos anteriormente, é: fixado um ponto no domínio de uma função diferenciável $f(x)$, sob que condições podemos garantir a existência de uma inversa local diferenciável? Vamos analisar o gráfico na figura ??? para ter alguma intuição sobre o Teorema da função inversa. Observe que não é possível encontrar intervalos em torno de $a$ ou $b$ em que a função seja injetora. Por outro lado, escolhendo qualquer outro ponto no domínio de $f$, sempre haverá um intervalo em torno dele aonde a injetividade é garantida. O que diferencia os pontos $a$ e $b$ dos outros? Uma característica que se pode apontar é que a reta tangente, nesses pontos, é paralela ao eixo $x$. Percebemos, então, que $f'(a) = f'(b) = 0$. Somos, assim, tentados a supor que se $x_0$ está no domínio de $f$ e se $f'(x_0) \neq 0$, existem intervalos $I_{x_0}$ em torno de $x_0$ e $I_{f(x_0)}$ em torno de $f(x_0)$ em que a restrição de $f$ tem inversa.

$f$ não é injetora em nenhum intervalo contendo $a$ ou $b$

Podemos tentar fazer uma conta e verificar se há algum argumento computacional que justifique nossa intuição gráfica de que uma derivada diferente de $0$ poderia garantir a existência de inversa local.

Com efeito, escolhemos $x_0$ com $f'(x_0) \neq 0$ e, escolhendo intervalos $ I_{x_0}$ e $I_{f(x_0)}$ (em torno de $x_0$ e de sua imagem, respectivamente) em que $f$ é bijetora, definimos uma restrição de $f$ como:

\[\begin{array}{clc}{\tilde{f}}: I_{x_0} & \longrightarrow & I_{f(x_0)} \\x & \longrightarrow & f(x)\end{array}\]

Pela nossa intuição, $\tilde f$ tem uma inversa e, escrevemos:

\begin{equation}\tag{2}{\tilde f}^{-1} \circ \tilde f (x) = x\end{equation}

Se essa inversa é diferenciável, usamos a regra da cadeia em 2 e, derivando dos dois lados, obtemos:

\begin{equation}\tag{3}(\tilde f^{-1})' (\tilde f(x))\cdot {\tilde f}'(x) = 1\end{equation}

Analisando 3, vemos que se ${\tilde{f}}'(x) = 0$ não existe possibilidade da equação ser satisfeita. Essa observação é compatível com o fato de nossa intuição geométrica indicar que pontos com derivada nula podem ser um problema para a existência da inversa.

O Teorema da Função Inversa define e afirma essas ideias de forma precisa.

O Teorema da Função Inversa

Teorema 1

Seja $f: I \subset \mathbb{R} \longrightarrow \mathbb{R}$ uma função de classe $C^1$ em um intervalo aberto $I$. Suponha que existe $x_0 \in I$, com $y_0 = f(x_0)$, tal que $f'(x_0) \neq 0$. Então, existem intervalos abertos $I_{x_0} $ e $I_{y_0}$, em torno de $x_0$ e $y_0$, respectivamente, tais que a restrição:

\[\begin{array}{cccc}\tilde{f} :& I_{x_0}& \longrightarrow & I_{y_0} \\& x & \longmapsto & y = f(x)\end{array}\]

é inversível, a inversa é diferenciável, e:

\begin{equation}\tag{4}(\tilde{f}^{-1})'(y) = \frac{1}{\tilde{f}'(x)}\end{equation}

Destacamos duas observações aqui:

  • O Teorema afirma que $f$ tem inversa local perto de um ponto em que a derivada não é $0$. O Teorema não afirma nada sobre pontos em que a derivada é $0$.

  • A expressão da derivada da inversa no Teorema relaciona a derivada de $f^{-1} (y)$ com a derivada de $f$ em $x$, em que $x$ e $y$ se relacionam pela expressão, $y = f(x)$.

Exemplo 1

$f$ é uma função $C^{1}$ e inversível em $\mathbb{R}$. O diagrama a seguir informa valores de $f(x)$ e $f'(x)$ para alguns pontos $x \in \mathbb{R}$.

\[\begin{array}{lcr}\begin{array}{ccc}1 & \stackrel{f}\longrightarrow & 3 \\2 & \stackrel{f}\longrightarrow & 0 \\3 & \stackrel{f}\longrightarrow & -1 \\4 & \stackrel{f}\longrightarrow & 2 \\\end{array}& \mbox{ } &\begin{array}{ccc}1 & \stackrel{f'}\longrightarrow & \pi \\2 & \stackrel{f'}\longrightarrow & \sqrt{2}\\3 & \stackrel{f'}\longrightarrow & -2 \\4 & \stackrel{f'}\longrightarrow & 2/3 \\\end{array}\end{array}\]

Quanto vale $(f^{-1})'(0)$?

Solução

Queremos derivar a inversa em $y=0$. Olhando as hipóteses, vemos que $f(2) = 0$. Portanto, na equação em 4, associamos $y=0$ com $x=2$ para escrever:

\[(f^{-1})'(0) = \frac{1}{f'(2)} = \frac{1}{\sqrt{2}}\]

Usando o mesmo raciocínio, podemos ver que:

\[(f^{-1})'(2) = \frac{1}{f'(4)} = \frac{3}{2}\]
Exemplo 2

Considere $y = f(x) = x^2$, $x>1$. Sabemos que essa função é diferenciável e inversível se tomarmos $(1,\infty)$ como contradomínio. E, nesse caso, conhecemos $f^{-1}(y) = {\sqrt{y}}$ $y \in (0, \infty)$. A derivada de $f$ é diferente de $0$ em qualquer ponto $x$ e certamente $f$ é de classe $C^1(1, \infty)$. Use o Teorema da Função Inversa para obter a derivada de $f^{-1}(y)$.

Use a equação em 4.

Solução

Usando a Equação em 4, temos:

\begin{equation}\tag{5}(f^{-1})'(y) = \frac{1}{2x}\end{equation}

O problema dessa expressão é que a derivada de $f^{-1}(y)$ está sendo explicitada como função de $x$ e queremos colocá-la em função de $y$. Sabemos que $y = x^2$ e, como $x>1$, podemos escrever $ x = \sqrt{y}$. Substituindo na expressão 5, escrevemos:

\[(f^{-1})'(y) = \frac{1}{2\sqrt{y}}\]

o que concorda com o que já sabemos sobre a derivada da raiz quadrada.

Exemplo 3

Considere $y = f(x) = e^{\mathrm{sen}(x)} + 2x$, $x \in \mathbb{R} $. Queremos usar o Teorema da Função Inversa em uma vizinhança de $x=0$. Começamos verificando que essa função é de classe $C^1(\mathbb{R})$. Calculamos $f'(x) = \cos(x) e^{\mathrm{sen}(x)} + 2$. Assim, $f'(0) = 3$. Observamos que $f(0) = 1$ e, portanto, sabemos que Existe uma inversa local, $f^{-1}(y)$ com domínio em algum intervalo em torno de $1$ e imagem em algum intervalo em torno de $0$. Sabemos também que essa inversa é diferenciável e podemos conhecer valores aproximados de $f^{-1}(y)$, para valores de $y$ próximos de $1$. Para isso, derivamos a inversa em $y = 1$:

\[(f^{-1})'(1) = \frac{1}{f'(0)} = \frac{1}{3}\]

Agora usamos a definição de derivada para aproximar $(f^{-1})' (y) $ perto de $y = 1$ e escrevemos:

\[f^{-1}(y) \approx f^{-1}(1) + \frac{1}{3}(y-1) = \frac{1}{3}(y-1)\]

para obter a aproximação.

Exemplo 4

Podemos usar o teorema da função Inversa para derivar $\arctan$. Consideramos , então, $y = \tan(x)$, $x \in (-\pi/2, \pi/2)$ com imagem em $\mathbb{R}$. A derivada de $\tan(x)$ é $\sec^2(x)$ que não se anula em $(-\pi/2, \pi/2)$. Portanto:

\[(\arctan)'(y) = \frac{1}{\sec^2 (x)}\]

mas, $\sec^2(x) = 1 + \tan^2(x) = 1 + y^2$. Portanto:

\[(\arctan)'(y)= \frac{1}{1+y^2}\]