Relembrando Propriedades das Potências

Antes de começarmos, vamos relembrar (a jato!) algumas propriedades básicas de potências, que serão úteis mais à frente. Caso não tenha familiaridade com alguma delas, não é precisa memorizar; deixe esta lista perto de você para eventuais consultas.
Para a>0, b>0, xR, yR, valem as propriedades

  1. an=aaanfatoresa, para n inteiro positivo.

  2. anm=anm, para m e n inteiros, m>1.

  3. a0=1 e a1=a

  4. ax>0

  5. ax=1ax

  6. Para a1, a igualdade ax=1 vale se, e somente se, x=0.

  7. (ax)y=axy=(ay)x

  8. (ab)x=axbx.

  9. Se a>1 e x>0, então ax>1.

  10. Se 0<a<1 e x>0, então ax<1.

Não faremos aqui uma demonstração das propriedades acima, por não ser o objetivo deste texto. Muitas das propriedades também são válidas quando a ou b forem negativos, porém algumas deixariam de valer, como a (iv), outras precisariam ser adaptadas ou ganhar hipóteses adicionais até mesmo para estarem bem definidas, como a (ii) e (vii) e a (viii), por exemplo. Por isso, nos limitamos apenas ao caso a>0 e b>0, que será o único necessário neste texto.

Exemplos Iniciais

Os exemplos desta seção estão feitos no vídeo "Função Exponencial - Exemplos".

Exemplo 1

Imagine uma cultura de bactérias, inicialmente com 1.000.000 indivíduos e crescendo a uma mesma razão em intervalos de tempo fixados, de forma que esta população dobre a cada 1 hora, enquanto não houver restrição de nutrientes ou interferência que dificulte este crescimento.

Vamos considerar o tempo do início da observação como t=0. Enquanto não houver alguma interferência, teremos um crescimento como abaixo:

t 0 1 2 3 4 5
População 1.000.000 2.000.000 4.000.000 8.000.000 16.000.000 32.000.000

A cada hora, a população será o dobro da anterior. A partir disso, podemos obter uma expressão para a população P em função de t, quando t for um inteiro não-negativo.

P(0) = 1.000.000 = 1.000.0001 = 1.000.000 20
P(1) = 2.000.000 = (1.000.00020)2 = 1.000.000 21
P(2) = 4.000.000 = (1.000.00021)2 = 1.000.000 22
P(3) = 8.000.000 = (1.000.00022)2 = 1.000.000 23
P(4) = 16.000.000 = (1.000.00023)2 = 1.000.000 24
P(5) = 32.000.000 = (1.000.00024)2 = 1.000.000 25
P(t) =(1.000.0002t1)2 = 1.000.000 2t, para tN

Estes valores nos dão o esboço abaixo:

Porém, esta cultura de bactérias não dá ``saltos populacionais", o crescimento é gradual ao longo do tempo. Qual seria, por exemplo, a população de bactérias quando t=1/2, isto é, meia hora após iniciarmos a observação?

Em cada período de meia hora (1/2 hora), a população de bactérias cresce um mesmo fator, que vamos chamar de a. Assim, a população P(1/2) meia hora após o início do experimento é igual à população inicial multiplicada por a. Da mesma forma a população P(1) é igual à população de meia hora antes multiplicada por a, ou seja, aP(1/2). Lembrando ainda que P(1)=2P(0),

{P(1/2)=aP(0)P(1)=aP(1/2)P(1)=2P(0)

Substituindo o P(1) da terceira igualdade por aP(1/2) (dado pela segunda igualdade), temos

2P(0)=aP(1/2)

e, substituindo P(1/2) acima por aP(0) (dado pela primeira igualdade), temos

2P(0)=a(aP(0)).

Assim,

2P(0)=a2P(0),

logo a2=2 e, portanto a=2 ou a=2. Como o valor negativo não faz sentido no problema, temos a=2=21/2.
Com isso, a população após meia hora de observação, é dada por

P(1/2)=aP(0)=21/21.000.000=1.000.00021/2.

E qual seria a população de bactérias, por exemplo, quando t=1/n?

Assim como fizemos acima, em cada período de 1/n hora, a população de bactérias cresce um mesmo fator b. Logo a população em cada múltiplo de 1/n hora é a população de 1/n hora atrás multiplicada por b:

{P(1/n)=bP(0)P(2/n)=bP(1/n)P(3/n)=bP(2/n)P(1)=P(n/n)=bP((n1)/n)

A primeira igualdade nos dá P(1/n)=bP(0) que, substituindo na segunda, dá P(2/n)=b2P(0). Substituindo este P(2/n) na terceira, temos P(3/n)=b3P(0). Seguindo assim, chegaremos na última igualdade com P(1)=P(n/n)=bnP(0). Como P(1)=2P(0), temos

2P(0)=bnP(0),

logo bn=2 e, portanto, b=2n=21/n. (Quando n é par, a equação bn=2 também admitiria a solução b=2n, que descartamos por não fazer sentido no fenômeno que estamos estudando)
Temos então

P(1/n)=bP(0)=21/n1.000.000.

Temos também

P(2/n)=bP(1/n)=21/n(1.000.00021/n)=1.000.00022/n,

e, prosseguindo assim,

P(3/n)=bP(2/n)=21/n(1.000.00022/n)=1.000.00023/n.

P(4/n)=bP(3/n)=21/n(1.000.00023/n)=1.000.00024/n.

P(m/n)=bP(m1n)=21/n10002m1n=1.000.0002m/n,

para todo mN. E qual teria sido a população de bactérias, por exemplo, uma hora antes de a observação começar, isto é, quando t=1?

Em cada período de 1 hora, a população de bactérias dobra, portanto a população P(0) no começo da observação é o dobro da população P(1) de uma hora antes. Logo,

P(0)=2P(1),

e então

P(1)=P(0)2=P(0)21=1.000.00021.

Repetindo os argumentos feitos para m,nN, podemos concluir que

P(n)=1.000.0002n,

P(m/n)=1.000.0002m/n.

Até aqui, já concluímos então que, para todo número racional t=m/nQ, temos

P(t)=1.000.0002t.

Esta expressão pode ser estendida a todos os valores de tR. Para isso, consideramos aproximações racionais q cada vez melhores de t e veremos o valor de P(q) se aproximar do valor que será o de P(t). Esta é apenas uma forma intuitiva de pensar, que ficará mais clara apenas à frente do curso, quando estudarmos limites e continuidade.
Para todo tR, temos então

P(t)=1.000.0002t.

O gráfico da função dada P:RR dada por esta expressão é como abaixo.

Veremos daqui a pouco algumas propriedades que justifiquem este gráfico. Ele não é obtido simplesmente ``ligando pontos" conhecidos. Apenas ligando pontos, nada nos garantiria que o gráfico

não nos daria algo como

Exemplo 2

Uma população de bactérias possui, inicialmente, P0 indivíduos. Qual seria a expressão deste número de indivíduos se ele aumentasse 50% a cada hora?

Solução

Após o aumento de 50% da primeira hora, teremos

P01hora depoisP0+50%P0=100%P0100+50%P0100=150%P0100=32P0

Assim,

P(1)=P0(32)1.

Passada mais uma hora, teremos

P(2)=P(1)32=P0(32)132=P0(32)2.

Prosseguindo assim,

P(3)=P(2)32=P0(32)232=P0(32)3,

P(4)=P(3)32=P0(32)332=P0(32)4,

P(n)=P0(32)n,nN

Generalizando como fizemos no caso em que a população dobrava,

P(t)=P0(32)t,tR.

De maneira geral, qualquer crescimento a um fator a>1 a cada unidade de tempo nos daria

P(t)=P0at,tR.

Nos exemplos anteriores, a=2 e a=32, respectivamente.
Mas também existem fenômenos em que temos a redução de uma grandeza a um mesmo fator a cada unidade de tempo, como no exemplo a seguir.

Exemplo 3

A cada ano, 20% de uma massa M0 de isótopos radioativos de um certo elemento se converte em isótopos não radioativos.

Após um ano, teremos

M01anoM020%M0=100M010020M0100=80M0100=45M0

Assim, como nos exemplos anteriores,

M(0)=M0=M0(45)0

M(1)=M045=M0(45)1

M(2)=[M045]45=M0(45)2

M(n)=M0(45)n,nN

Da mesma forma que foi feito no primeiro exemplo, podemos generalizar esta expressão para todo tR, obtendo

M(t)=M0(45)t,tR.

Função Exponencial

O conteúdo desta seção é discutido no vídeo "Função Exponencial".

Definição 1

Uma função f:RR será exponencial se sua expressão for da forma

f(x)=ax,

para algum número real a>0.

Vamos entender um pouco melhor a expressão da função exponencial. A base, a, é um número real positivo fixo, o que varia é o expoente x. É diferente de uma função potência, com expressão na forma f(x)=xn, em que o expoente é fixo e a base é quem varia.
O gráfico da função exponencial é como um dos gráficos abaixo, dependendo do valor de a.

Observe que, quando a=1 a função é constante e igual a 1, pois 1x=1 para todo xR.

Proposição 1

Uma função exponencial f:RR,f(x)=ax, com a>0 será sempre positiva, isto é, f(x)>0 para todo xR.

Esta proposição é consequência direta da propriedade (iv) de potências, da primeira seção.
Outra observação muito importante é que, para qualquer base a>0,

f(0)=a0=1.

Uma característica importante da função exponencial está na razão entre sua variação e seu valor. Vamos considerar uma função exponencial de expressão f(x)=ax. Agora, fixemos um número positivo Δx. Para um valor qualquer de x0R, a variação do valor da função entre x0 e x0+Δx é dada por

Δf=f(x0+Δx)f(x0).

No exemplo abaixo, vamos calcular a variação de f(x)=(32)x, quando Δx=2, para dois valores diferentes de x0. Depois, vamos dividir esta variação por f(x0), para ver o que obtemos.

x0=1 x0=2
f(x0)=f(1)=(32)1=1,5 f(x0)=f(2)=(32)2=2,25
f(x0+2)=f(1+2)=(32)3=3,375 f(x0+2)=f(2+2)=(32)4=5,0625
Δf=f(x0+2)f(x0)=1,875 Δf=f(x0+2)f(x0)=2,8125
Δff(x0)=1,8751,5=1,25 Δff(x0)=3,81252,25=1,25

As razões entre Δf e f(x0) calculadas acima ficaram iguais! Isso não é exclusividade deste exemplo. Sempre que fixarmos Δx>0, a razão f(x+Δx)f(x)f(x) será constante.
Você pode experimentar um pouco o cálculo desta razão no applet disponível em:

https://www.geogebra.org/m/kmgz3vmn


O fato desta razão ser constante não deveria ser uma surpresa. Lembre-se dos exemplos que vimos no começo deste texto. Neles, para cada intervalo de tempo fixado (Δx), a variação de uma grandeza (Δf=f(x0+Δx)f(x0)) era proporcional ao valor da mesma grandeza no começo do intervalo (f(x0)).
Vamos verificar que isso realmente sempre ocorre.

Δf=f(x0+Δx)f(x0)=ax0+Δxax0=ax0aΔxax0=ax0(aΔx1)=f(x0)(aΔx1)constante, pois aΔx são fixados

Assim,

Δff(x0)=f(x0)(aΔx1)f(x0)=(aΔx1)constante

Logo, concluímos que, fixada a variação Δx do parâmetro x, a variação Δf da função naquele intervalo será proporcional ao valor f(x0) da função no começo do intervalo.
Podemos ainda tirar outras conclusões a partir da expressão

Δf=f(x0)(aΔx1)

que obtivemos.
Se a>1, como Δx>0, teremos aΔx>1, logo aΔx1>0. Com isso,

Δf=f(x0)positivo(aΔx1)positivo>0.

Ou seja, a variação da função é positiva em qualquer intervalo. Portanto a função f é crescente.
Se 0<a<1, como Δx>0, teremos aΔx<1, logo aΔx1<0. Com isso,

Δf=f(x0)positivo(aΔx1)negativo<0.

Ou seja, se 0<a<1, a variação da função é negativa em qualquer intervalo. Portanto a função f é decrescente.
Se a=1, temos aΔx=1, logo aΔx1=0. Portanto, a variação de f é sempre nula, o que já era esperado, pois f é constante. Assim, para deixar registrado o que concluímos, vamos enunciar uma proposição:

Proposição 2

Seja f:RR, dada por f(x)=ax, com a>0.

Podemos também calcular a variação média da exponencial, isto é, a razão ΔfΔx. Pelo que calculamos acima,

ΔfΔx=f(x0)(aΔx1)Δx=f(x0)(aΔx1)Δxconstante, pois aΔx são fixados,

que também não varia com a mudança do x0. Esta variação média depende apenas do Δx e do a fixados.
Uma consequência, da Proposição anterior é que, se a base a for diferente de 0, a função exponencial sempre mudará de valor quando houver mudança do parâmetro x. Com isso, podemos também enunciar o resultado a seguir.

Proposição 3

A função f:RR, dada por f(x)=ax, com a>0 e a1 é injetiva, isto é,

Comparação entre Exponenciais

O conteúdo desta seção é discutido no vídeo "Explorando a função exponencial".

Vamos comparar duas exponenciais de bases diferentes a e b, com 0<a<b. Considere as funções f:RR e g:RR dadas por f(x)=ax e g(x)=bx.
Para x>0,

g(x)f(x)=bxax=(ba)x.

Como b>a, temos ba>1 e, como x>0, temos (ba)x>1. Logo

g(x)f(x)>1.

Com isso, g(x)>f(x).
Assim, para um mesmo x>0, quanto maior a base, maior o valor da função.
Para x<0,

g(x)f(x)=bxax=(ba)x=(ab)x.

Como a<b, temos ab<1 e, como x>0, temos (ab)x<1. Logo

g(x)f(x)<1.

Com isso, g(x)<f(x).
Assim, para um mesmo x<0, quanto maior a base, menor o valor da função.
O esboço abaixo mostra alguns exemplos de gráficos de funções exponenciais. Tente observar as relações obtidas nos parágrafos anteriores. Note que, para x0, quanto maior a base, mais acima está o gráfico da exponencial correspondente. Para x<0, a situação se inverte.

12<23<1<32<2

Nas esboço anterior, vamos exibir as retas tangentes (não importa ainda como as obtivemos!) aos gráficos das funções exponenciais exibidas, no ponto (0,1).

Agora vamos olhar com maior aproximação para o gráfico e as tangentes de duas dessas funções, de bases 2 e 3.

Vamos traçar a reta x=y, de coeficiente angular 1, que é a diagonal principal do plano cartesiano. Depois, traçaremos a reta y=x+1, paralela a y=x e passando pelo ponto (0,1).

Podemos perceber que a inclinação desta reta está entre as inclinações das retas tangentes a
f(x)=2x e g(x)=3x em (0,1). É razoável, portanto, acreditar que, para alguma base especial a, com 2<a<3, a reta tangente ao gráfico da função h(x)=ax é dada por y=x+1.

Esta base especial existe, e é dada por um número irracional muito especial, denotado por e e cujos primeiros dígitos são

e=2,71828182846...

A função exponencial dada por f(x)=ex é também denotada por exp(x), de tão especial que é.
O número e=2,71828182846... é chamado, entre outros nomes, de número de Euler, número de Napier, base natural e desempenhará um papel fundamental na disciplina Cálculo 1A. Mas, por enquanto, não se preocupe com ele; o importante agora é apenas saber se sua existência, saber que é algo ali entre 2,5 e 3. Este número pode até parecer meio esquisitão à primeira vista, mas saiba que sua aparição em qualquer problema de Cálculo certamente torna tudo mais fácil! A modelagem da maior parte dos fenômenos naturais atraem (naturalmente!) o número e, de tão bonito que ele é.
Guarde bem o que vou dizer, para que eu possa cobrar no futuro. Você ainda ficará muito feliz quando uma exponencial f(x)=ex cruzar o seu caminho em um problema de derivadas ou integrais!

Equações e Inequações Exponenciais

As Proposições 2 e 3 são muito importantes para resolvermos equações e inequações em que a variável apareça no expoente de expressões.

Exemplo 4

Resolver, para xR, a equação

3x=27.

Solução

Lembre-se de que a função exponencial é crescente (se a base for a>1) ou decrescente (se a base for 0<a<1). De qualquer forma, ela é injetiva.
Considerando a função f(x)=3x, a equação se transforma em

f(x)=27.

Note que 27=33=f(3). Assim, a equação se torna

f(x)=f(3).

Como f é injetiva, se f(x)=f(3), temos x=3.

Exemplo 5

Resolver, para xR, a equação

2x2=2x.
Solução

Considerando a função f(x)=2x, que é injetiva,

2x2=2xf(x2)=f(x)x2=xx=0 ou x=1.

Exemplo 6

Resolver, para xR, a equação

2x2=(12)x.

Solução

Considerando a função f(x)=2x, que é injetiva,

2x2=(12)x2x2=2xf(x2)=f(x)x2=x

x=0 ou x=1.

Exemplo 7

Resolver, para xR, a inequação

3x>81.

Solução

Considerando a função f(x)=3x, a inequação se transforma em

f(x)>f(4).

Como a base 3 da função exponencial f é maior que 1, f é crescente, logo

3x>81f(x)>f(4)x>4.

Exemplo 8

Resolver, para xR, a inequação

(12)x>8

Solução

Considerando a função f(x)=(12)x, a inequação se transforma em

f(x)>f(3),

pois (12)3=23=8. Como a base 12 da função exponencial f é menor que 1, f é decrescente, logo

(12)x>8f(x)>f(3)x<3.

Poderíamos também resolver esta inequação de outra forma. Considerando a função f(x)=2x, a inequação se transforma em

f(x)>f(3),

pois 2x=(12)x e 23=8. Como a base 2 da função exponencial f é maior que 1, f é crescente, logo

(12)x>8f(x)>f(3)x>3x<3.

Exemplo 9

Resolver, para xR, a equação

4x32x=4.

Solução

Note que 4x=(22)x=(2x)2. Fazendo y=2x,

4x32x=4y23y=4y23y4=0

y=4 ou y=1.

Assim, a solução da equação é dada pelos xR tais que

2x=4 ou 2x=1.

Como não existe xR tal que 2x=1 (por quê?),

4x32x=42x=4 ou 2x=1x=2.

Exemplo 10

Resolver, para xR, a inequação

4x32x>4.

Solução

Fazendo y=2x,

4x32x>4y23y4>0y>4 ou y<1.

Assim, a solução da equação é dada pelos xR tais que

2x>4 ou 2x<1.

Como não existe xR tal que 2x<1 (por quê?),

4x32x>42x>4 ou 2x<12x>22x>2.