Teorema do Valor Intermediário

Nesta seção, discutiremos o que foi visto no vídeo Teorema do Valor Intermediário, disponível neste vídeo.


O Teorema do Valor Intermediário é um dos resultados centrais relativos à continuidade. Apesar de suas muitas aplicações e da profundidade de sua conclusão, sua afirmação é bastante intuitiva e tão fácil de entender quanto de acreditar.

Se f é uma função contínua no intervalo [a,b], o gráfico da função é desenhado com um único traço unindo os pontos (a,f(a)) e (b,f(b)). Vamos supor que f(a)<f(b), como na figura ao lado.

Considere então qualquer reta horizontal que passe entre os pontos (a,f(a)) e (b,f(b)), isto é, qualquer reta y=N, com f(a)<N<f(b). Esta reta deverá, obviamente, cortar o gráfico da função, pois, como f é contínua no intervalo, seu gráfico não pode saltar de um lado para outro da reta, sem passar por ela. Assim, existirá algum c(a,b) tal que f(c)=N.

Obviamente, o resultado continua valendo se f(a)>f(b).

A existência deste c, tal que f(c)=N, dada que a função seja contínua, é o que garante o Teorema do Valor Intermediário (TVI), que enunciaremos a seguir.

Teorema 1

(Teorema do Valor Intermediário) Suponha que f seja contínua em um intervalo fechado [a,b] e seja N um número qualquer entre f(a) e f(b). Então, existe c(a,b), tal que f(c)=N.

Uma conclusão natural deste resultado, é que, com x variando no intervalo (a,b), uma função contínua assume todos os valores entre f(a) e f(b).

Exemplo 1

Considerando a função definida por f(x)=x37x2+16x11, existe algum c(1,4), tal que f(c)=1?

Solução

Sim, pois a f é contínua no intervalo fechado [1,4], f(1)=1, f(4)=5 e 1<1<5, logo o TVI garante que exista tal c. Observe que o TVI não nos diz como encontrar o valor de c (por curiosidade, existem dois valores, c=2 e c=3).

Exemplo 2

Considerando a função definida por f(x)=1x2+1, existe c(0,+), tal que f(c)=1π?

Solução

O TVI não foi enunciado para intervalos ilimitados, como este, portanto não podemos utilizá-lo diretamente, o que não quer dizer que ele não será útil. Como limx+1x2+1=0, pela definição de limite com x+, existe k>0 tal que f(k)<1π (se o valor de f se aproxima de 0 quando x+, ele obviamente terá que ser menor que 1π em algum valor de x). Assim, temos f(k)<1π<f(0)=1 e, como f é contínua em [0,k], existe c(0,k), tal que f(c)=1π.

Exemplo 3

Todo polinômio de grau ímpar possui pelo menos uma raiz real. Seja p(x)=anxn+an1xn1+...+a1x+a0, com n ímpar e an0. Suponha inicialmente que an>0 e, neste caso, teremos limx+p(x)=+ e limxp(x)=. Assim, existem a<0 e b>0 tais que p(a)<0<p(b) e, como p é uma função contínua em [a,b], o TVI nos garante que existe c(a,b), tal que p(c)=0. Se, por outro lado, tivéssemos an<0, então limx+p(x)= e limxp(x)=+ e poderíamos tomar a<0,b>0 tais que p(a)>0>p(b), e o resultado seguiria da mesma forma.

Observação: Como visto no Exemplo 1, na conclusão do Teorema do Valor Intermediário, pode existir mais de um valor para c tal que f(c)=N. No exemplo abaixo, podemos ver que, existem três valores distintos c1, c2 e c3 no intervalo (a,b) tais que f(c1)=f(c2)=f(c3)=N.

Exemplo 4

Este exemplo mostra que a conclusão do Teorema do Valor Intermediário não é válida, em geral, para funções descontínuas. Consideremos a função f:[0,1]R, definida por f(x)=0 se 0x<12 e f(x)=1 se 12x1.

A função f não é contínua em [0,1] já que não é contínua em 12. Se tomarmos qualquer número real N, com f(0)=0<N<1=f(1), não é possível encontrar x(0,1) com f(x)=N. Isto significa que a conclusão do TVI não é válida para a função f. Isto, obviamente, não indica que o teorema não escteja correto, mas sim que esta função não satisfaz suas hipóteses (f não é contínua em [a,b]).
Observe que bastou um único ponto de descontinuidade em [0,1] para o TVI não poder ser aplicado à função f.

Existência de raízes de equações

O TVI é muito utilizado para garantir a existência de raízes de equações, e até mesmo para dar uma estimativa destas raízes, quando a equação pode ser escrita na forma f(x)=c. Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 5

Mostrar que a equação 4x36x2+3x2=0 tem uma raiz no intervalo (1,2).

Solução

A equação pode ser escrita como f(x)=0, onde f(x)=4x36x2+3x2. Note que, por ser uma função polinomial, f é contínua em [1,2].

Temos f(1)=46+32=1<0 e f(2)=3224+62=12>0. Assim, f(1)<0<f(2), logo N=0 é um número entre f(1) e f(2). Como f é contínua, o TVI nos garante que existe c(1,2), tal que f(c)=0, o que implica que 4x36x2+3x2=0 tem pelo menos uma raiz em (1,2).

Exemplo 6

Provar que existe xR, tal que x=cos3(x)+sen3(x).

Solução

Seja f(x)=xcos3(x)sen3(x). Note que f(x)=0 se, e somente se, x=cos3(x)+sen3(x), assim, buscar uma raiz para a equação é equivalente a encontrar x tal que f(x)=0.

Temos f(0)=0cos3(0)sen3(0)=1 e f(π2)=π2cos3(π2)sen3(π2)=π20313=π21>0, pois π>2. Assim, f(0)<0<f(π2) e, como f é contínua em [0,π2], existe x(0,π2) tal que f(x)=0, logo x=cos3(x)+sen3(x).

Exemplo 7

Localize uma raiz de f(x)=x3+12x em um intervalo de comprimento 1.

Solução

Observe que f(0)=1>0 e f(1)=22<0. Como a f é contínua em [0,1], pois x3+1 é composta de contínuas e 2x também é contínua, o TVI nos diz que, existe c(0,1), tal que f(c)=0. Portanto, x=c é uma raiz da função f.

Exemplo 8

Mostre que os gráficos de f(x)=x3x2 e g(x)=x+1 possuem um ponto de interseção no intervalo [1,2].

Solução

Precisamos mostrar que f(x)=g(x) para algum x[1,2], mas esse fato equivale a mostrar que f(x)g(x)=0 para algum x[1,2]. Definimos h(x)=f(x)g(x), para x[1,2]. Observe que h é contínua em [1,2], h(1)=2<0 e h(2)=232221=1>0, portanto pelo TVI, existe c(1,2), tal que h(c)=0, ou seja, f(c)=g(c).