Teorema do Valor Intermediário
O Teorema do Valor Intermediário é um dos resultados centrais relativos à continuidade. Apesar de suas muitas aplicações e da profundidade de sua conclusão, sua afirmação é bastante intuitiva e tão fácil de entender quanto de acreditar.
Se é uma função contínua no intervalo , o gráfico da função é desenhado com um único traço unindo os pontos e . Vamos supor que , como na figura ao lado.
Considere então qualquer reta horizontal que passe entre os pontos e , isto é, qualquer reta , com . Esta reta deverá, obviamente, cortar o gráfico da função, pois, como é contínua no intervalo, seu gráfico não pode saltar de um lado para outro da reta, sem passar por ela. Assim, existirá algum tal que .
Obviamente, o resultado continua valendo se
A existência deste , tal que , dada que a função seja contínua, é o que garante o Teorema do Valor Intermediário (TVI), que enunciaremos a seguir.
Teorema 1
(Teorema do Valor Intermediário) Suponha que seja contínua em um intervalo fechado e seja um número qualquer entre e . Então, existe , tal que .
Uma conclusão natural deste resultado, é que, com variando no intervalo , uma função contínua assume todos os valores entre e .
Exemplo 1
Considerando a função definida por , existe algum , tal que ?
Sim, pois a é contínua no intervalo fechado , , e , logo o TVI garante que exista tal . Observe que o TVI não nos diz como encontrar o valor de (por curiosidade, existem dois valores, e ).
Exemplo 2
Considerando a função definida por , existe , tal que ?
O TVI não foi enunciado para intervalos ilimitados, como este, portanto não podemos utilizá-lo diretamente, o que não quer dizer que ele não será útil. Como , pela definição de limite com , existe tal que (se o valor de se aproxima de 0 quando , ele obviamente terá que ser menor que em algum valor de ). Assim, temos e, como é contínua em , existe , tal que .
Exemplo 3
Todo polinômio de grau ímpar possui pelo menos uma raiz real. Seja , com ímpar e . Suponha inicialmente que e, neste caso, teremos e . Assim, existem e tais que e, como é uma função contínua em , o TVI nos garante que existe , tal que . Se, por outro lado, tivéssemos , então e e poderíamos tomar tais que , e o resultado seguiria da mesma forma.
Observação: Como visto no Exemplo 1, na conclusão do Teorema do Valor Intermediário, pode existir mais de um valor para tal que . No exemplo abaixo, podemos ver que, existem três valores distintos , e no intervalo tais que .
Exemplo 4
Este exemplo mostra que a conclusão do Teorema do Valor Intermediário não é válida, em geral, para funções descontínuas. Consideremos a função , definida por se e se .
A função não é contínua em já que não é contínua em . Se tomarmos qualquer número real , com , não é possível encontrar com . Isto significa que a conclusão do TVI não é válida para a função . Isto, obviamente, não indica que o teorema não escteja correto, mas sim que esta função não satisfaz suas hipóteses ( não é contínua em ).
Observe que bastou um único ponto de descontinuidade em para o TVI não poder ser aplicado à função .
Existência de raízes de equações
O TVI é muito utilizado para garantir a existência de raízes de equações, e até mesmo para dar uma estimativa destas raízes, quando a equação pode ser escrita na forma . Vejamos alguns exemplos.
Exemplo 5
Mostrar que a equação tem uma raiz no intervalo .
A equação pode ser escrita como , onde . Note que, por ser uma função polinomial, é contínua em .
Temos e . Assim, , logo é um número entre e . Como é contínua, o TVI nos garante que existe , tal que , o que implica que tem pelo menos uma raiz em .
Exemplo 6
Provar que existe , tal que .
Seja . Note que se, e somente se, , assim, buscar uma raiz para a equação é equivalente a encontrar tal que .
Temos e , pois . Assim, e, como é contínua em , existe tal que , logo .
Exemplo 7
Localize uma raiz de em um intervalo de comprimento 1.
Observe que e . Como a é contínua em , pois é composta de contínuas e também é contínua, o TVI nos diz que, existe , tal que . Portanto, é uma raiz da função .
Exemplo 8
Mostre que os gráficos de e possuem um ponto de interseção no intervalo .
Precisamos mostrar que para algum , mas esse fato equivale a mostrar que para algum . Definimos , para . Observe que é contínua em , e , portanto pelo TVI, existe , tal que , ou seja, .